"A MOURA DE OLHÃO" quadro de Carlos Porfírio, 1962, disponível no Museu Municipal de Faro. |
A Lenda da Moura Floripes
No sítio do Moinho do Sobrado, havia antigamente uma
casa, onde aparecia à janela, noite fora, uma formosa mulher vestida de
branco.
O único que se atrevia a andar por aquelas bandas à
noite era um sujeito de meia idade - o compadre Zé - que se embriagava e
adormecia na rua, sem receio.
A mulher de branco aproximava-se do bêbado, fazia-lhe meiguices e até se sentava a seu lado.
Moinho do Sobrado (séc. XIX): actualmente o Grupo Naval de Olhão! |
O compadre Zé contava a sua história sem convencer
ninguém a deslocar-se ao local para a comprovar. No entanto, o compadre
Zé tinha um amigo mais jovem que se iria casar brevemente.
Aproveitando-se do evento, promete ao amigo oferecer-lhe um seu terreno
como prenda de casamento, caso ele tivesse a coragem de o acompanhar a
ver o fantasma.
Este, transido de medo, lá foi à aventura, atendendo ao grande jeito que lhe fazia a prenda.
Sentou-se numa pedra, junto ao Moinho do Sobrado, e
esperou pelas doze badaladas. Nesse momento surge da porta do Moinho uma
mulher vestida de branco até aos pés. O vestido terminava numa bainha
esfarrapada, a cobrir-lhe os pés descalços. A mulher aproximou-se com a
face envolta num véu e uma flor nos cabelos loiros.
Julião, assim se chamava o amigo do compadre Zé, pergunta-lhe quem era e donde vinha.
- Sou a desditosa Floripes - respondeu, numa expressão triste.
- O que faz por aqui?
- Sou uma moura encantada. Quando a minha raça foi
expulsa da província, viu-se o meu pai obrigado a partir, sem poder
prevenir-me. Eu tinha um namorado que também fugiu e aqui fiquei
sozinha, à espera a cada momento que o meu pai me viesse buscar. Numa
noite em que esperava, vi ao longe a luz de uma embarcação. A noite era
de tormenta e o barco escangalhou-se de encontro aos rochedos. Não era o
meu pai que ali vinha: era o meu namorado, que foi engolido pelas
ondas. Soube o meu pai deste funesto acontecimento e vendo que não lhe
era possível vir buscar-me, encantou-me de lá.
Julião, penalizado com a triste história, logo pensou em oferecer-se para salvar a moura e perguntou:
— Existe algum meio de a salvar?
— Há sim - respondeu a moura.
— Que meio?
— É necessário que um homem me dê um abraço, à beira
de um rio, e me fira no braço contíguo ao coração. Logo que tal
aconteça, irei de imediato para junto dos meus familiares. Mas existe
uma dificuldade.
— Que dificuldade - perguntou Julião, quase resolvido a ser o seu libertador.
— O homem que me abraçar e me ferir terá de me
acompanhar até África, atravessar o oceano com duas velas acesas e casar
comigo à chegada..
— Isso é que eu não poderei fazer. Já tenho casamento marcado com a minha Aninhas.
— Então continuarei novamente encantada – respondeu a moura soluçando – Até agora, ninguém se atreveu a tanto sacrifício!
A moura continuou o seu encantamento durante muito
tempo ainda, sentada no cais com os pés na água, esperando o seu pai
voltar de África. Era por vezes vista no cais, sempre de noite, a
conversar com um menino de olhos grandes e com gorro encarnado. Seria o
menino algum mouro que ali também ficou encantado? Ninguém sabe
responder...
Alguns olhanenses mais antigos acreditavam tanto
nesta lenda que diziam que a Floripes era vista também durante o dia a
fazer compras em lojas, onde pagava com uma moeda de ouro e sempre
desaparecia sem receber o troco. Ainda hoje, quando alguém por qualquer
razão não recebe o troco, se diz "és como a Floripes, não queres a
torna!".
A Floripes foi também a personificação do medo do
transcendente. Quando se quer acautelar alguém, ainda se diz "vê lá se
te aparece a Floripes!".
|
|
Talvez que este salvamento tivesse desencantado
finalmente a Floripes, pois que há muito tempo a moura deixou de
aparecer. Terá regressado finalmente à sua terra?
Uma nota final: Miguel Gonçalves Mendes realizou em 2007 o
filme Floripes, já editado em vídeo, cujo trailer pode ser visto no site
da produtora Jumpcut.
António Paula Brito
Bibliografia
Conceição Pires - Elucidário, Cidade de Olhão da Restauração
- 1ª ed. da autora, 2001, p.179.
| |
Barbosa, José - Visto e ouvido... em Olhão... reflexões
- Câmara Municipal de Olhão, 1993, p.104).
Fonte: www.olhao.web.pt |
Um comentário:
Vai para o paraíso nórdico, quando?
Postar um comentário